ELOY ALFARO HÍPER STAR (2001)
[fragmento]
–
big
bang
no
início deus criou a amargura
a terra
estava desarrumada e vazia
as
trevas flutuavam sobre o perfil do abismo
o
espírito de algo remexia sobre a face de uma bágoa
e deus
extraiu da bágoa
e deus
extraiu da bágoa
o céu e
a terra
que
tiveram amor e se regaram
no
firmamento como astros
the heaven strong[2]
depois disse deus
façamos o homem à nossa imagem e semelhança
desesperado
para não se sentir sozinho
no vazio
que avançava aproveitando-se
da beleza
do horror
e fez a noite e o dia
plaf
grr r oh
grr r oh
gr h
plaf
e disse
deus seja a luz
e foi a
escuridão...
FELIPE GUAMÁN POMA DE
AYALA (2002) [fragmento]
Oh, Wamán, meu avô:
Pereça o momento em
que fomos partidos.
Pereça essa
impenetrável árvore da carne.
Pereça o dia em que tu
nasceste e eu morri.
Seja sombria a
pirâmide em que havemos de chorar:
ramal bordado com
nuvens de sangue:
traços em nós que
voltam para a madeixa da recordação.
Soma da solidão na
penumbra do buraco negro
que finge ser uma
pinta no teu corpo tão antigo,
mais do que os olhos
ocultos do Sacsahamán
ou a cabeça do nosso
império
no centro da perfeição
da afonia,
nessa cidade de amautas e aravicos e quipucamaios
e tecedores de ponchos
com mais de sete mortes
que se rebelam contra
si
para recordar que
ainda estão vivos.
Ego da melancolia
Invenção da tristeza.
Perda.
Noite hasteada de
libélulas atrozes.
GUAYASAMÍN (2010)
[fragmento]
Oswaldo:
No início
o teu A era mais do que uma ave
invisível
a proteger a cria da tua vontade
impalpável
do Acaso.
Tudo era Caos e Silêncio.
Muito Silêncio.
Depois o teu B quis ser uma pequena
povoação originária,
uma semente,
um ponto.
Na altura apareceu o teu C com o
caminho num percurso da terra
que as letras anteriores tinham de
seguir.
Forjaste as tuas elípticas com as
tuas próprias mãos,
com o leite derramado por tua mãe
entre os teus lábios e teus dedos.
E acordaste fechado num D de lodo e
frutas silvestres.
O teu E
não pôde mais do que se tornar um
edifício muito alto,
do qual se podia ver o futuro,
a poética da profética.
Dali o teu F tentou voar como
sucessão de pontos até a linha
para emitir sons desde a garganta
do G.
E o teu G subido com as outras
letras
nas torres do H do homem recém
instaurado na desolação
produziu um triste grunhido,
monocórdio,
alçado até aos mais escuros cimos
da intuição
da linha e da curva.
Então apareceu o teu I com a sua
auréola enciclopédica, a sua Ordem.
E o J do teu conhecimento líquido
macerou-se nos abismos da tua
inteligência
como um vinho de milho mastigado
pelos teus irmãos
e fermentado para se tornar a
bebida dos deuses,
elixir do perdurável amor pelo
Universo...
© Texto: Paúl Puma
© Tradução:
Xavier Frias Conde