DESCENSO À PRAIA, UMA MANHÃ DE TRABALHO
Abro-me ao Passeio por entre ruelas
multicolores,
ao desenho diáfano
da praia
e do seu mar agora tranquilo.
Estou
dentro da praia, cegado
por tanta
claridade, afagado
pelo ar
tão calmo. É como se não houver
ninguém
(crianças, anciãos quase quietos):
o
silêncio fica longe, adormecido.
Descalço
os pés. Afundo ao instante
as minhas
dedas no fino grão. Entro.
O mar
fala para os banhistas, sussurra
com a sua
língua minguada uma inquietante
promessa,
arrola os seus corpos salgados,
para
penetrarem no seu enorme ventre.
Toca-me a
água. Está fria. Vira espuma.
Atrás
fica o Passeio, as suas casinhas
baixas e
mais para a frente a monstruosa
cidade, o
seu barulho portuário, as suas ruas.
Apoio a
cabeça até sentir
o céu, e
apenas sinto o céu por cima.
Tudo
quanto nele há fica escondido
nos grãos
da minha praia, oculto
nos seus
castelos leves, nos gritos
acompassados
daquele vendedor de barquilhos,
na voz
das sereias voluptuosas…
Ficarei o
resto do dia
para ver
que mais escuto.
(De Un rumor bajo la rama, 2012)
CRÍTICA DA BELEZA
[Mito do seixo rolado e a areia]
Quando entardece não é apenas a derradeira luz, mas é o som que se impõe. Perante um mar-onda o seixo rolado, muito antes do que arenisca, bate-se a si próprio e os seus outros infintas vezes, até alcançar certa sinfonia. Quem vir o ruivém crê saber —ah, pequeno deus— da mais elevada beleza, até que aos poucos o calor do sub-trópico desce por um orquestrado rumor. Diminuto instante em que Aquilo e Um somos quase a mesma cousa, embora não o saibamos. Roda e volta, roda como seixo sem vermos absolutamente nada com os olhos do prazer. Prazer era o sol quente que sexuava a nossa pele formosa. Prazer era.
Os litofones fazem agora o seu chamado antes se tornarem areia silenciosa. Jamais serão vistos à noite, mas serão o pulso que, apenas por um instante —na certeza que já o Eros e a Vénus praieira não são senão despojos de Música neste lar africano—, darão sentido ao coração que quiser libertar-se do corpo.
(De Muerte
del ibis, 2013)
PALAVRA LUZ
Invejo o calígrafo sufista que pacientemente engasta uma palavra em outra
para se aproximar do resplandor da montanha sagrada,
enquanto eu procuro com a estranha costura entre uma e outra palavra o sentido de uma vida
(De Si existe el árbol. Cuaderno iraní,
Inédito)
© Texto: Oswaldo Guerra
© Tradução: Xavier Frias-Conde
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