DERRADEIRA CEIA
A nossa derradeira ceia consistiu nas espinhas
que ficaram dos assaltos que nos presenteávamos, corpo a corpo. Tu deixavas um
livro a meio ler e o meu amor mordiscado, embrulhado em papel de alumínio para
depois. Eu esquecia-me de me procurar entre os espelhos e apreendia a adestrar
os meus suspiros. Tu permitias-te abranger-me a pele, tomando a carícia e
devolvendo-me o espaço. Eu bombardeava tinta suja, a lembrar como é obsceno
tocares-me, como se quisesses levar-me para o outro lado das cousas que nos
sabem sem saberem, mas desejamos. A ti latejava-te‘ o coração entre as pernas.
A mim latejava-me o coração sob o vestido. Tu dilatavas com a tua língua as
minhas entranhas, para a dor caber sem quase magoar, como um sapato esticado.
Eu ajoelhava na metade do poema, pois tudo são lanças quando se ama desarmada.
Tu vertias o vício sobre o meu peito. Eu tencionava embebedar-te da minha alma.
Tu esnifavas o momento, porque nele moras ancorado. Eu queria que fôssemos o
agora para sempre. O teu mérito foi despertar os incêndios que cria extintos. O
meu fracasso foi viver-te até me desviver.
VERSOS EQUILÁTEROS
Porque a realidade
bate de
repente, como um caldeiro
–ou
fervença– de água
fria ou um
gélido “já te’ dixe”.
Porque a solidão
que não se escolhe
é como um
formigueiro sob a terra,
quanto mais
tempo ficas mergulhada
nos seus
recantos, a arrastrares os pés
e a alma
sem rumo, mais podes perder-te.
Porque é
ridículo pensar que existem
as viagens
de ida e volta, porque nunca
te foste
embora, como assim que voltas:
morrer por
uma aperta ou de uma aperta
é a leve e
intangível diferença
que
encontramos em cada estação
do trem ou
em cada insólito destino
que
escolhamos, sonhemos ou sintamos.
Porque já
percebi que o relógio
marca horas
diferentes
segundo o
pulso ou a parede
que o
sustente; portanto não é má cousa
engolir a
gana para dentro
por
vergonha, temor ou protocolo;
e por isso
agora nada
consegue
fazer-me rir na ponta das dedas,
nem sequer a
tua ausência.
ATÉ ALTAS HORAS
Tanto tem se a recordação
me contraria bruscamente,
por vezes a memória traiçoeira
sussurra os meus fracassos em voz alta.
Naquela noite caminhei até a minha casa
confusa, com a estranha sensação
de ter perdido as malditas chaves
do resto da minha vida.
Não queria caminhar e afastar-me
dum sorriso que fai com
que as agulhas do relógio girem
a uma velocidade muito diferente
daquela da cordura.
Porque há cinco minutos
era de dia e agora pousou
nos teus beiços a noite, em forma
de estrela que jamais será cadente,
a dançar até as altas horas dos parvos.
© Texto: Sandra
Barrera Martín
© Tradução:
Xavier Frias Conde
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