terça-feira, 28 de abril de 2015

A DERRADEIRA CEIA E OUTROS POEMAS, DE SANDRA BARRERA



DERRADEIRA CEIA

A nossa derradeira ceia consistiu nas espinhas que ficaram dos assaltos que nos presenteávamos, corpo a corpo. Tu deixavas um livro a meio ler e o meu amor mordiscado, embrulhado em papel de alumínio para depois. Eu esquecia-me de me procurar entre os espelhos e apreendia a adestrar os meus suspiros. Tu permitias-te abranger-me a pele, tomando a carícia e devolvendo-me o espaço. Eu bombardeava tinta suja, a lembrar como é obsceno tocares-me, como se quisesses levar-me para o outro lado das cousas que nos sabem sem saberem, mas desejamos. A ti latejava-te‘ o coração entre as pernas. A mim latejava-me o coração sob o vestido. Tu dilatavas com a tua língua as minhas entranhas, para a dor caber sem quase magoar, como um sapato esticado. Eu ajoelhava na metade do poema, pois tudo são lanças quando se ama desarmada. Tu vertias o vício sobre o meu peito. Eu tencionava embebedar-te da minha alma. Tu esnifavas o momento, porque nele moras ancorado. Eu queria que fôssemos o agora para sempre. O teu mérito foi despertar os incêndios que cria extintos. O meu fracasso foi viver-te até me desviver.


VERSOS EQUILÁTEROS

Porque a realidade
bate de repente, como um caldeiro
–ou fervença– de água
fria ou um gélido “já te’ dixe”.
Porque a solidão que não se escolhe
é como um formigueiro sob a terra,
quanto mais tempo ficas mergulhada
nos seus recantos, a arrastrares os pés
e a alma sem rumo, mais podes perder-te.
Porque é ridículo pensar que existem
as viagens de ida e volta, porque nunca
te foste embora, como assim que voltas:
morrer por uma aperta ou de uma aperta
é a leve e intangível diferença
que encontramos em cada estação
do trem ou em cada insólito destino
que escolhamos, sonhemos ou sintamos.
Porque já percebi que o relógio
marca horas diferentes
segundo o pulso ou a parede
que o sustente; portanto não é má cousa
engolir a gana para dentro
por vergonha, temor ou protocolo;
e por isso agora nada
consegue fazer-me rir na ponta das dedas,
nem sequer a tua ausência.



ATÉ ALTAS HORAS


Tanto tem se a recordação
me contraria bruscamente,
por vezes a memória traiçoeira
sussurra os meus fracassos em voz alta.
Naquela noite caminhei até a minha casa
confusa, com a estranha sensação
de ter perdido as malditas chaves
do resto da minha vida.
Não queria caminhar e afastar-me
dum sorriso que fai com
que as agulhas do relógio girem
a uma velocidade muito diferente
daquela da cordura.
Porque há cinco minutos
era de dia e agora pousou
nos teus beiços a noite, em forma
de estrela que jamais será cadente,
a dançar até as altas horas dos parvos.



© Texto: Sandra Barrera Martín
© Tradução: Xavier Frias Conde