quinta-feira, 23 de julho de 2015

TRÊS POEMAS DE KAREN VALLADARES

I


Que esta chuva fria tem apenas um nome.
Que este frio entre as minhas perna treme uma só lembrança.
Há muito tempo que não sei de ti.
Não sei da cor destingida dos teus olhos
também não sei da grossura dos teus lábios de bronze.
Pressinto que humedecerei os meus dedos
enquanto às escondidas penso em ti.
E hei de tocar mesmo lá, onde de ti tenho mais saudades.
Os meus peitos, essas bronzeadas colinas gritam com fúria a roça da tua boca neles.
Não estás, não estás precisamente agora quando mais penso em ti e esta lonjura entre ambos.
Dói a tua ausência, dói terrivelmente a tua ausência.
Não estás e o tempo recorda-me que o teu nome agora é apenas um velho sineiro
abandonado.

II


Não romperei a chorar agora
A esfarelar as horas, para o tempo não se aproximar da minha solidão.
Meu coração: chocalha, balbucio, canção triste, faísca de chuva,
Canção desafinada, pedaço de papel enrugado,
Criança abandonada, vidro quebrado,
Sangue a escorregar da ferida,
Solidão, outra vez a solidão,
Pranto, gritos furiosos.
Não saberei dizer de novo o teu nome.
Outra vez a solidão quando o menciono.
O meu corpo despido, a tremer, a fingir ser feliz, mas só.
A quem interessa a solidão neste instante.
Não romperei a chorar agora,
Nem desligarei o grito que me arranha a garganta.
O teu nome afoga-me, mutila-me as cordas vocais. Cada vez que o pronuncio.
Então faço silêncio.


A CASA TEM UMA FERIDA

A casa tem uma ferida, tem chuva no teto, sombras acumuladas em todas as paredes, tem vozes
a rondar nos corredores que não existem.
Tem luzes que se prendem e se matam de madrugada ou enquanto todos dormem.
A casa tem uma ferida que murcha.
Tem uma moreia de cantigas velhas a soar sem parar.
Eu não moro nessa casa, meu filho tão-pouco mora nessa casa, minha avó, minha avó mora em todas as casas.
Minha mãe mora nesta casa, meu pai mora nesta casa, meu irmão mora por vezes nesta casa.

Há pequenas vozes giram por toda a casa.
A casa não é qualquer barco e não navega.


A casa tem uma ferida, e essa ferida tem uma casa e um nome que sabe totalmente amargo.

© Texto: Karen Valladares
© Tradução: Xavier Frias Conde