Mostrar mensagens com a etiqueta silvia cuevas morales. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta silvia cuevas morales. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

DESARRAIGAMENTO E OUTROS POEMAS, DE SILVIA CUEVAS



DESARRAIGAMENTO

Um imenso peso que me fadiga
Um triste valado que me isola
Um deserto que me asfixia
Um mar que me castiga
Sorrisos de papel que já nem devolvo
Recordações imprecisas que me anulam
Pertenças que já me são alheias
Amizades que já desconheço
Sonhos não compridos
Planos truncados no desterro
Fotografias que me assediam
Cartas de poeira que me soterram
Vozes distantes que me sussurram um passado
que agora sinto tão longe
Em círculos vago por avenidas
sem dar com o sossego
A noite ainda mais cruel
não me permite descansar os meus ossos
Aferrada à minha almofada
tento render-me ao sonho
na procura dessa calma
que tanto anseio
que tanto preciso
para renascer
com todo o direito a viver
neste país novo.


[SOLDADINHOS DE CHUMBO]

Soldadinhos de chumbo
marcham ao ritmo dos meus anos
tornando-me velha
Pingueirinha de gelo que não permite
colar pestana
Sabrezinho afiado
numa partida de esgrima
a sangrar
            segundo
                       a segundo
Batucada de pensamentos
que se espetam no cérebro
Bomba do tempo
Terrorista dos meus sonhos
Pulso metálico
Metrónomo histérico


PRECE

Que as sombras da noite não me despertem
Que o silêncio não me grite na orelha
Que o relógio não estoure no meu cérebro
com a sua maldita eterna batucada
Que a aranha não teça a sua teia nos meus pensamentos
Que o corujão não brinque com o meu sorriso
Que o tempo não me roube a tua recordação
Quero que o meu sonho não permita que te seduzam versos
Que a distância não nos tenda emboscadas
e nos soterre no esquecimento do silêncio
Que os medos não nos assaltem
com as suas máscaras diabólicas
e o veneno dos seus ciúmes
Que saibamos ser cientes
que é a mesma lua pálida a que se oculta
atrás do sol do teu céu

© Texto: Silvia Cuevas
© Tradução: Xavier Frias Conde

sábado, 13 de setembro de 2014

A MUDAR GEOGRAFIAS, DE SILVIA CUEVAS MORALES


CHANGING GEOGRAPHIES

Migration
People from the past
            you can no longer hug
Evoking moments
            streets, squares, faces
Things you can no longer touch

People from one’s childhood
            - doesn’t matter if they’re dead or alive...
You can no longer see them
            hear or speak to them
in real time

Conversations are hurried
            letters arrive too late
Only photographed faces stare
            fixed in a lost space

Three of us survived
            as we made Australia home
Away from bloody dictators
            ignorant of humanitarian rights
            still not paying for  their wrongs

Mother lost her battle with cancer
            and left us to  cope alone
Perhaps she went back to Santiago
            to the Andes, to her own Chilean ghosts

Always looking for something
            I left my Melbourne, my city of Fitzroy
Now my only two relatives exist in the distance
            My sister in Northcote
            My father in Maribyrnong

And in this circular journey
            I feel closer to my Chilean heart
            for here they speak my language
But funny ... now I long
            for a bit of my Aussie land

Caught in the middle of a map
            trying to hold on to a cartographer’s hand
Changing jobs, houses, languages
            leaving lovers behind

Being the foreigner
            the “wog”
            the “sudaca”
Never fitting in the new land

Changing geographies
            running from the past
But some nights ghosts haunt me
            and beg me to go back

And I surround myself with memories
            cheap mementoes
            of things gone by
that only survive in my memory
            for in reality,  they are no longer alive.

But distance is real
            - gradually,  one does grow apart –

Published in Changing Geographies. Universidad de Barcelona, 2001.

A MUDAR GEOGRAFIAS

Migração
Gente do passado
    já nem podes abraçar

Evocar momentos
    ruas, praças, rostos
Coisas que não voltarás a tocar

Pessoas da própria infância
   - nem se importa se vivos ou mortos -

Já não podes vê-los
    nem ouvi-los nem falar-lhes
    em tempo real

As conversas apressam
    as cartas chegam tarde demais
apenas fitam os rostos nas fotos
    quedos em espaços fixos

A mãe perdeu a batalha contra o cancro
    e deixou-nos a nos arranjar sozinhos
se calhar voltou a Santiago
   aos Andes, aos seus próprios fantasmas chilenos 

Sempre a procurar algo
   abandonei a minha Melbourne, a minha cidade do Fitzroy
Agora os meus dois únicos parentes existem na distância
    minha irmã em Northcote
    meu pai em Maribyrnong

E nesta viagem circular
    sinto-me mais perto do meu coração chileno
    porque aqui falam a minha língua
Mas é engraçado
    agora sinto saudade da minha terra australiana

Capturada no meio de um mapa
    a tentar apertar a mão de um cartógrafo
a mudar empregos, casas, idiomas
    a deixar amantes às costas

Ser a estrangeira
   a “wog”
   a “sudaca”
sem conseguir encaixar na nova terra

A mudar geografias
   a se afastar do passado
mas por vezes os fantasmas me caçam
   e pedem-me voltar

E rodeio-me de lembranças
    de mementos baratos
    de coisas passadas
que apenas sobrevivem na minha memória
    pois de facto já não estão vivas

Mas a distância é real
–– aos poucos, um já medra à parte ––

Texto: Silvia Cuevas Morales
Tradução: de Xavier Frias Conde