terça-feira, 16 de agosto de 2016

LINHAS PARALELAS E OUTROS POEMAS DE ARI GARRIDO

LINHAS PARALELAS

Não se tocarem nunca
dói-lhes igual
do que não se poderem separar

29/7/13

MAGNETISMO

(...)

5

Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.
Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.
(...)
Fragmento de Farewell, Farewell y los sollozos, Crepusculario

Pablo Neruda

Quero um degrau.
Um que meça
apenas um centímetro mais
para sempre tropeçar
no mesmo ponto
das escadas.
essas com vistas para os teus olhos.
Para não ter de ti tanta saudade
Para não reescrever o outono.


17/7/13­ 2/9/13


PROFISSÕES

Nunca pensaste que los sueños
me mandarían tanto de los dos
para sacarlos de su área de confort
cualquier propuesta desmerece consideración.

Enrique Bumbury


Passeavas pelas sanefas,
és dessas que decoram
tudo quanto veem.
E dá-lhes sentido.
Foste nomeada interiorista do ano.
E não voltaste a pisar este chão.
Mas as paredes relembram-te
com cada retrato.

14/9/13

© Texto: Ari Garrido
© Tradução: Xavier Frias Conde

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

LINGUA MATERNA, DE ESPERANZA VIVES




palavras camélias. brancas espirais. singelas. no meu corpo de meiga lactante que arde como os caracóis ignorados sob a chuva. árvores pretas. cromatismo da água afastada guardada entre as mãos. elo face a lentas lagartixas. carne herética espargida como folhas novas de flores discretas. feitiço feito história sobre o leve ranger das carricantas. sobre as sombras quebradas/vermelhas da língua. enquanto me chamam mãe sopra a brisa.


© Texto: Esperanza Vives Frasés
©  Tradução: Xavier Frias Conde

domingo, 14 de agosto de 2016

NOVE EM CADA DEZ, DE SANDRA BARRERA


Nove em cada dez
dentistas recomendam que me mordas
as costas ao menos durante uma lua cheia
por mês enquanto os meus tecidos se dissolvem
num efervescente
universo articulado em torno
da emoção animal de escalar-te.
Brinca comigo a sermos
um símbolo impregnado de poemas:
refutaremos rosa,
rotina ou calendário;
escolheremos lume,
vento e trovoada. Despregar-me-ei
na pele e na alma entregada sobre ti.
Nove em cada dez
astrólogos alarmam-se cada dia
pelos meteoritos que geramos
em cada amanhecer.

© Texto: Sandra Barrera Martín
© Tradução: Xavier Frias Conde

quarta-feira, 13 de abril de 2016

VERBUM E OUTROS POEMAS DE ROSSY EVELIN LIMA

VERBUM
Cada palavra articulada
sustém o peso das línguas do mundo,
marulhada de imagens,
búzios que ainda não encontram
            a sua forma perfeita.

Cada palavra, fonema absoluto,
dá-nos a beber nas suas mãos
a ideia de um passado
em que acreditámos para sempre.

A palavra, 
        a unidade mínima
de expressão ardente,
a base da experiência diária,
dos ecos e da lama
que se amoldam à nossa aparência.

Cada palavra articulada
vai formando a nossa segunda pele,
enche-nos o céu da boca com sussurros alocromáticos.

Cada palavra articulada é a areia do nosso mar,
não existe onda que possa levar o areal embora
               da nossa beira, 
não há sal que derreta ou evapore
o grão edificado pela palavra dita.

Sem interessar a voz
nem o tremor da garganta,
a palavra cai sempre aos nossos pés
tornando-se pedra ou caminho.


AS ILHAS

Somos muitas ilhas,
o rio e o sol
escurecem e aclaram os nossos pés,
as palavras lavam as nossas pernas.

Somos muitas ilhas,
nelas construímos labirintos,
alçamos vegetações de concreto.
Deixamo-nos cair igual que a noite
com rumores de grilos e cavernas.

Por vezes construímos pontes
e viajamos de uma ilha para outra.

Por vezes caminhamos sem pontes
à espera de renascermos noutra beira.

Somos muitas ilhas,
por baixo de nós
flutuam uns laços infinitos
que tencionam ficar na nossa vida

Por baixo de nós há uma pele da cor da cana
que tenciona ligar-se à nossa beira,
que fala a voz de cem povos,
que tenciona enlear-nos
como quando em vez de ilhas
fomos uma só terra
mexida nas asas das águias, condores e quetzais.

Agora somos muitas ilhas,
chega-nos a chuva ou a seca
enquanto erguemos as nossas mãos.
Afastamo-nos a cada dia mais
e construímos muralhas
com cinzas e ramos secos.

Somos ilhas,
mas nas manhãs
quando não há risos na nossa beira
desejamos ser levados pelo vento embora
e termos apenas um nome.


COYOLXAUQUI
Somos muitos que herdámos os teus cascavéis,
vamos adornados, a nossa roupa é a chave
que promete abrir-nos o céu,
mas somos pobres, não é este o nosso tempo.

Desconsolamo-nos
em nossas casas
e vamos carregando os nossos cascavéis
para outras pátrias
onde a terra
talvez nos sorria.
 
Aqui não há nada para nós,
o teu irmão faz a sua ronda por todas as ruas.
O único imposto que aceita é o nosso sangue.
Dissemos-lhe que somos irmãos,
que os nossos cascavéis são a celebração
que a nossa língua não experimentou o ódio.

Tu sim nos escutas, Coyolxauqui, 
envia-nos a tua luz 
para podermos cruzar as fronteiras.

É um brilho eterno o que nos rodeia.

É uma palpitação sentir-te revivida
nos nossos cascavéis,
sentir-te a cada passo
e sabermo-nos estrelas,
alcançando devagarinho
um bocado do teu céu.


© Texto: Rossy Evelin Lima
© Tradução: Xavier Frias Conde

domingo, 10 de abril de 2016

TRÊS POEMAS DE MARÍA ÁNGELES PÉREZ LÓPEZ

[O olhar insolente]
para Ana Orantes, queimada viva pelo seu homem a 17 de dezembro de 1997

O olhar insolente
é uma forma aguda como um prego na terra,
contém uma dose horrível de si próprio
e mal significa
a depauperada humiliação de ficar
como se não
do corpo que se enruga
e se encolhe no seu nó principiante
virando cinza, tornando-se invisível
matéria degradada pelo ódio,
a palha que se prende com moleza.

O olhar insolente
acompanha a mão, a perna insolentes
para atrapar o corpo com o gancho do medo
porque ela está tão sozinha e vencida,
ferida na sobrancelha e surrada
com o tição de medo que leva quem é o seu anjo
do mal ou da ira.

A violência insolente
faz tremer as margens do corpo
e na sua lenta combustão como de azinheira
a tinta das veias escreve esse calvário
quando era profanado o templo da carne
e no ar se escreviam garatuja, grafitis
com a voz enlameada e suja desse grito
que calcina os lábios, as cordas da boca,
“porque eu não sabia falar,
porque eu era analfabeta,
porque eu era um vulto
porque eu não valia um tostão”.

Oh, corpo de papel para a fogueira.
(de El ángel de la ira, 1999)

[Elefantes] 

Como os elefantes, a mulher
inquieta-se perante os ossos da sua espécie,
mexe nervosamente a cabeça,
extravia-se e tropeça com a sua dor.
Os esqueletos longos, mascarões
que aventaram para o mar e o pleistoceno
para dormir, lavados pela água
até se tornar lâminas de luz,
são uma ferida aberta e silenciosa
que os grandes mamíferos erguem
com tal delicadeza, com caninos
no seu arabesco e a sua melancolia.
Porque os elefantes, a mulher,
alçam a ossamenta dos seus
e os aninam com os seus grandes dentes,
os mexem com paixão e com toleima.
Como os elefantes, a mulher
cobre a sua pele de areia e de termites,
lança as suas costelas, as suas costas,
a terra dos seus mortos, recobre-se
da sua aspereza seca, ventaneira
ou lufada de tempo calcinado
e canta lenta uma canção
que, na sua baixa frequência, é apenas escutada
por congéneres remotos, primordiais.
Quando ela pinta os seus dentes de marfim,
Dentina opaca e branca, romboidal
que prestigia a sua boca e mais sua alegria,
a mulher esculpe neles a aflição
preciosa, endurecida como uma laje
que é atravessada pela luz e a submete.


(de Atavío y puñal, 2012)


[No ar, a pedra]

No ar, a pedra já não dói.
Quando roda, percorre com violência
a idade que caminha até se tornar bronze
e transforma a ferida em cada lasca.

Limadura, fração com que a linguagem
esfaragulha a pedra nas suas duas sílabas
como vocábulo fendido e estilete
que aguça a humildade da desfeita
para oferecer a dádiva do medo,
a floração solar do sacrifício.

Pedra cutelo, búzio de ar
que chói os sons da tribo
no tambor solene da guerra,
na angústia e o peçunho do animal,
na desesperada turbação
com que Gaza sangra pelas suas cifras.

No entanto, a pedra resiste-se.
Não é pronta a ser domesticada.
Há no seu coração um alto pássaro.
Há nela arrecifes, elefantes,
caminhos e escadas, solilóquios,
as circunvoluções, o destino,
a álgebra, a luz das estrelas,
o abraço de Abel e de Caim.
Há no seu coração um alto pássaro.


Quando voa no ar, já não dói.

(de Fiebre y compasión de los metales, 2016)




© Texto: María Ángeles Pérez López
© Tradução: Xavier Frias Conde


quarta-feira, 23 de março de 2016

TRÊS POEMAS DE RITA CAPUCHO

no estamos
hechos distancias
no estamos
hechos recuerdos
no sabemos
nostalgia
sentimos
otras cosas
no sentimos
ese dolor
esa infelicidad
de nuestro amor
no vivimos
un amor ausente
antes el dolor
de un amor
ausente
que el dolor
de no
sentir
ese dolor

***

cada uno de nosotros tiene su desierto
y su fantasma
un soledad viciada
que nos remite al yo y al tú
pero, mi amor,
recuerda que solo los amantes sobreviven
y no te olvides
que este tiempo nuestro
ya se ha deshecho en la piel, en la mirada, en la boca

***

Estamos de espaldas
Sosteniendo las paredes de casa
Manteniendo la ventana abierta
Rompiendo las paredes horizontes
Una mirada de esperanza
Centinela de una prisión
En tiempos de amar
Retirar los destrozos del abandono
Sostener el aire en el aire
Para el tiempo en la espera
Soltar avanzar
Ser viga
Y cantar

© Texto: Rita Capucho
© Tradução: Xavier Frias Conde

quinta-feira, 17 de março de 2016

A LUZ DO SILÊNCIO [3 POEMAS] DE SANDY GARCÍA

ISOLAMENTO

A solidão não tem nome.
Nem homem / mulher.
O sapo foi comido pelos girinos.
A repetição está aniquilada.
Triunfo do nada, desgraça de todos.
As cicatrizes na pele.

AS MÃES

Posso estar amotinada
contra
minha mãe,
as mães de Maio
as de Julho e as de além.
Com as que não puderam
exercer porque a avó
se perdeu pelo caminho
por falta de insitinto de maternidade.
Viraram egoístas.
Posso ser cruel com todas elas.
E no entanto, elas não são capazes
de largar o cordão umbilical
que as une
e esmaga no interior.
Sim.
Há mães medusa,
mães comestíveis.
Não todas as mulheres são mães.
Isto é certo
e
... dói


ESPERANÇA

Saudade se chama o teu nome
que não tem nome nem letra,
nem fome, nem boca.
Saudade o arrepio.

A madrugada da ideia
que morre no lume
do verbo amor
e acorda na manhã
entre lençóis de morte
escorregados em almanaques
do ontem.

© Texto: Sandy Garcia, de La luz del silencio.
© Tradução: Xavier Frias Conde

segunda-feira, 14 de março de 2016

DOUS POEMAS DE EMMA FONDEVILA

TRAVELLING

Sempre, sempre
a avançar... a nos afastar.
Entre duas luzes: uma nos acolhe,
outra nos cega até chocarmos contra ela.
Trânsito da vida numa nebulosa absurda
virada para o mesmo ponto do espaço,
para o início ou para o nada:
o iminente passa a ser recente
e dilui-se já no magma da recordação.
Ontem temíamos este hoje
e hoje já é quase passado,
realidade superada pela urgência
do que se debruça num horizonte ilusório.
Hoje, amanhã, ontem,
lua e sol em sucessão constante,
tu e eu adormecendo e acordando,
lembrando e esquecendo tu e eu,
caminhando e descaminhando os passos do tempo.
Como uma curta de Ettore Scola:
1943, um miúdo que corre e uma sala de cinema.
1997, outro miúdo e o passado que torna a ser presente.
Mudam os rostos, mudam as cores,
ontem e hoje apostando pela mesma mudança,
avançando sem nunca chegarmos...
para onde?
Outra vez o Gatopardo
para algo mudar,
para tudo ou quase tudo
continuar na mesma,
no cinema,
na vida...
Onde é que fica a realidade?



ANESTESIA

Anuncio-te a minha ausência.
Estarei fora
numa viagem incerta
pelo escuro
pelo só
pelo nada.
Por um sonho sem sonhos,
pela falta de ti
e da tua lembrança.
Estarei fora
das minhas saudades,
dos meus anseios,
dos meus sofrimentos
e gozos
de tudo quanto sou.
Voltarei
—espero—
dum espaço sem dias de ontem,
duns parênteses de mim sem mim,
dumas horas sem tempo,
dumas horas não vividas,
perdidas
que nunca
nunca
lograrei recuperar.

© Texto: Emma Fondevila
© Tradução: Xavier Frias Conde

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

TRÊS POEMAS DE PAÚL PUMA

ELOY ALFARO HÍPER STAR (2001) [fragmento]


big

bang

no início deus criou a amargura

a terra estava desarrumada e vazia
as trevas flutuavam sobre o perfil do abismo
o espírito de algo remexia sobre a face de uma bágoa

e deus extraiu da bágoa
e deus extraiu da bágoa
o céu e a terra

que tiveram amor e se regaram
no firmamento como astros

the heaven strong[2]

depois disse deus
façamos o homem à nossa imagem e semelhança
desesperado
para não se sentir sozinho

no vazio
que avançava aproveitando-se
da beleza
do horror

e fez a noite e o dia

plaf
grr r oh
grr r oh
gr h
plaf

e disse deus seja a luz
e foi a escuridão...




FELIPE GUAMÁN POMA DE AYALA (2002) [fragmento]


Oh, Wamán, meu avô:

Pereça o momento em que fomos partidos.

Pereça essa impenetrável árvore da carne.

Pereça o dia em que tu nasceste e eu morri.

Seja sombria a pirâmide em que havemos de chorar:

ramal bordado com nuvens de sangue:

traços em nós que voltam para a madeixa da recordação.

Soma da solidão na penumbra do buraco negro
que finge ser uma pinta no teu corpo tão antigo,
mais do que os olhos ocultos do Sacsahamán
ou a cabeça do nosso império
no centro da perfeição da afonia,
nessa cidade de amautas e aravicos e quipucamaios
e tecedores de ponchos com mais de sete mortes
que se rebelam contra si
para recordar que ainda estão vivos.

Ego da melancolia

Invenção da tristeza.

Perda.

Noite hasteada de libélulas atrozes.




GUAYASAMÍN (2010) [fragmento]


Oswaldo:

No início
o teu A era mais do que uma ave invisível
a proteger a cria da tua vontade impalpável
do Acaso.

Tudo era Caos e Silêncio.

Muito Silêncio.

Depois o teu B quis ser uma pequena povoação originária,
uma semente,
um ponto.

Na altura apareceu o teu C com o caminho num percurso da terra
que as letras anteriores tinham de seguir.

Forjaste as tuas elípticas com as tuas próprias mãos,
com o leite derramado por tua mãe entre os teus lábios e teus dedos.

E acordaste fechado num D de lodo e frutas silvestres.

O teu E
não pôde mais do que se tornar um edifício muito alto,
do qual se podia ver o futuro,
a poética da profética.

Dali o teu F tentou voar como sucessão de pontos até a linha
para emitir sons desde a garganta do G.

E o teu G subido com as outras letras
nas torres do H do homem recém instaurado na desolação
produziu um triste grunhido,
monocórdio,
alçado até aos mais escuros cimos
da intuição
da linha e da curva.

Então apareceu o teu I com a sua auréola enciclopédica, a sua Ordem.

E o J do teu conhecimento líquido
macerou-se nos abismos da tua inteligência
como um vinho de milho mastigado pelos teus irmãos
e fermentado para se tornar a bebida dos deuses,
elixir do perdurável amor pelo Universo...

© Texto: Paúl Puma
© Tradução: Xavier Frias Conde




[1] Sed y hambre, cántico de ángeles rebeldes, lupanar de la insurrección. A propósito de pecíolos inconclusos, soliloquio hedónico.
[2] Sede e fome, cântico de anjos rebeldes, lupanar da insurreição. A propósito de pecíolos inconclusos, solilóquio hedónico.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

DEPOIS DA CAÇA (EXCERTO) DE XAVIER OQUENDO


Meu avô e minha avó
tinham um caminhar maturo.
Ela, lenta no galope;
ele, acelerado e ágil.

Caminhavam a olhar a última traça
que deixara o animal do dia.
Ela seguia o passo do homem
como uma consequência natural.

O rio do meu avô
e da minha avó
não se parecem com o Guadalquivir
nem com o Guayas.
É-vos um rio de pedra que desce
sobre os carreiros
que faltam por conhecer
e penetrar.

A minha avó nada tem a ver
com a avó do Perencejo.
O Perencejo não tem esses carreiros
nem esse passo seguro e lento.
O avô do Fulano
não conhece o caminho que o meu avô guarda
no bolso:
carreiro extraviado
entre a menta e o “king” sem filtro
a que cheiravam as suas calças.

O meu avô parece-se com os astros.
A minha avó é um astro.
O meu avô parece-se com a minha avó
e ambos com as estrelas.

Não têm nada do Guayas nem do Guadalquivir.
Nem dos velhos Fulano e Perencejo.
Olhamos para eles
através das radiografias das suas pegadas.
Olhamos para os seus carreiros como esfinges
que herdamos para praticar a fé.
Não tem nada a ver com os meus sapatos tortos.

Caminharam os dous até ao vale da morte.
São um rio que esconde as águas
debaixo das pedras.


ANTES DA CAÇA
A meu pai

Quero encontrar o lugar
onde me situar.
Entro na vizinhança
de vozes que me dizem:
                              vai procurar longe
                                            nos cais das mágoas,
                              vai pôr-te na fila com os astros;
                                            deixa um bocadinho o poema,
                                            e reconhece os olmos.
                                            Acha que já incomodas
                                                           que em grande um se deforma
                                                                          e se consome.

Mamã já não prepara bem as ceias,
não há jantares até depois do dia.
Vai procurar o círculo vicioso
que possa tornar-te homem
na insónia dos dias.
                              Vai e não voltes
                                            até depois da caça.



A INVISÍVEL

Há alguém
noutra parte,
que olha para mim como para um espelho.
Que se põe a me remedar
no bordo.
Que se passeia por mim
como uma epidemia.
Segue-me até aos beiços,
aos narizes,
às mágoas.
Há alguém que quer apaixonar-se por mim
como se eu fosse um ator de cinema,
como se não houvesse mais domingos
para o parque,
como se o juízo final
tivesse uma sentença.
Há alguém que caminha pelas ruas,
mas no passeio da frente
há muito trânsito
e perdo-a.


© Texto: Xavier Oquendo Troncoso
© Tradução: Xavier Frias Conde