VERBUM
Cada palavra articulada
sustém o peso das línguas do mundo,
marulhada de imagens,
búzios que ainda não encontram
a sua forma perfeita.
Cada palavra, fonema absoluto,
dá-nos a beber nas suas mãos
a ideia de um passado
em que acreditámos para sempre.
A palavra,
a unidade mínima
de expressão ardente,
a base da experiência diária,
dos ecos e da lama
que se amoldam à nossa aparência.
Cada palavra articulada
vai formando a nossa segunda pele,
enche-nos o céu da boca com sussurros alocromáticos.
Cada palavra articulada é a areia do nosso mar,
não existe onda que possa levar o areal embora
da nossa beira,
não há sal que derreta ou evapore
o grão edificado pela palavra dita.
Sem interessar a voz
nem o tremor da garganta,
a palavra cai sempre aos nossos pés
tornando-se pedra ou caminho.
AS ILHAS
Somos muitas ilhas,
o rio e o sol
escurecem e aclaram os nossos pés,
as palavras lavam as nossas pernas.
Somos muitas ilhas,
nelas construímos labirintos,
alçamos vegetações de concreto.
Deixamo-nos cair igual que a noite
com rumores de grilos e cavernas.
Por vezes construímos pontes
e viajamos de uma ilha para outra.
Por vezes caminhamos sem pontes
à espera de renascermos noutra beira.
Somos muitas ilhas,
por baixo de nós
flutuam uns laços infinitos
que tencionam ficar na nossa vida
Por baixo de nós há uma pele da cor da cana
que tenciona ligar-se à nossa beira,
que fala a voz de cem povos,
que tenciona enlear-nos
como quando em vez de ilhas
fomos uma só terra
mexida nas asas das águias, condores e quetzais.
Agora somos muitas ilhas,
chega-nos a chuva ou a seca
enquanto erguemos as nossas mãos.
Afastamo-nos a cada dia mais
e construímos muralhas
com cinzas e ramos secos.
Somos ilhas,
mas nas manhãs
quando não há risos na nossa beira
desejamos ser levados pelo vento embora
e termos apenas um nome.
COYOLXAUQUI
Somos muitos que herdámos os teus cascavéis,
vamos adornados, a nossa roupa é a chave
que promete abrir-nos o céu,
mas somos pobres, não é este o nosso tempo.
Desconsolamo-nos
em nossas casas
e vamos carregando os nossos cascavéis
para outras pátrias
onde a terra
talvez nos sorria.
Aqui não há nada para nós,
o teu irmão faz a sua ronda por todas as ruas.
O único imposto que aceita é o nosso sangue.
Dissemos-lhe que somos irmãos,
que os nossos cascavéis são a celebração
que a nossa língua não experimentou o ódio.
Tu sim nos escutas, Coyolxauqui,
envia-nos a tua luz
para podermos cruzar as fronteiras.
É um brilho eterno o que nos rodeia.
É uma palpitação sentir-te revivida
nos nossos cascavéis,
sentir-te a cada passo
e sabermo-nos estrelas,
alcançando devagarinho
um bocado do teu céu.
© Texto: Rossy Evelin Lima
© Tradução: Xavier Frias Conde
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