quarta-feira, 21 de novembro de 2018

CANÇÃO 20, PABLO NERUDA


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada
e tremelicam azuis os astros ao longe".
O vento da noite vira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a, por vezes ela também me amou.
Nas noites como esta tive-a nos meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infindo.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus olhos grandes fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto a orvalhada.
O que importa que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Como para achegá-la o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, mas ela não está comigo.
A mesma noite que branqueja as mesmas árvores.
Nós, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a quero, é verdade, mas quanto a amei.
A minha voz procura o vento para tocar o seu ouvido.
A sua voz, o seu corpo nídio. Os seus olhos infindos.
É tão curto o amor e é tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta a tive entre os meus braços,
a minha alma não se contenta com a ter perdido.
Embora esta seja a derradeira dor que ela me causa
e estes sejam os derradeiros versos que eu lhe escrevo.

© Texto: Pablo Neruda
© Tradução: Xavier Frias Conde

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