quinta-feira, 22 de novembro de 2018

SER, DE GLORIA YOUNG



I

Estas dobras da vida
penduradas dos ossos
esta cintura ainda visível
onde te agarras
por vezes
estas coxas anchas rejas
por que trotam os teus espaços
esta anca ocada
estojo para as tuas mãos
estas pernas que te asfixiam
com um nó de veludo
da escura gorja
até o lume
-tenro 
mastro
que transtorna os sentidos-
estes pés que 'te caminham
estas mãos que 'te furgam
esta mulher que te ama,
aqui
no quarto imperfeito.

II

A lua é o dia incendiado sob a árvore.

A água queima a minha gorja
só uma palavra fresca
alaga o meu corpo e a minha alma.

É a palavra que juntou os nossos passos
em qualquer recanto
e tropeçou entre as sombras
e paralelepípedos
e topou o caminho do mar
perdido.

É a palavra amarrada
à morte dos relógios
e à chuva do domingo azul
com a sua escuma
que lava o meu ventre de pó.

É a palavra que cruzou a rua e entrou no hotel
para o quarto
e se deitou na cama.

III

Sou o recinto
de todas as palavras penduradas no vento
da luz que atravessa a minha curva cordilheira
da cantiga do sono
do mar com as suas escumas
da alma desbocada ao fio de uma estrela

Sou a voz
que não se esconde
que explora os seus tecidos
que uiva no mistério de todos os silêncios
que murmura à vida
que espreita na vigília
que bota o riso a voar vencendo a saudade.

Sou a água
da chuva
do mar
da trovoada
e procuro tesoros
e lavo
as lembranças

Sou a mulher
deste século
a escalar esperanças
a cavalgar corcéis
de amor e tenrura
a abrir os meus poros
ao cheiro das frutas
a ceivar o cabelo
a sulcar a doçura
aqui
na penumbra
do
pôr-de-sol

© Texto: Gloria Young
© Tradução para Galego Internacional: Xavier Frias-Conde

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