domingo, 6 de dezembro de 2020

TRÍPTICO DE GATAS, DE VALERIA GUZMÁN

I

Uma gata perpétua
alçada na beira do desconcerto
São horas 
em que fita atentamente
com a fondura azul dos seus olhos.

Apenas o vidro a separa
de um par de pequenos pássaros
que pulam na árvore defronte.

Ela não sabe
mas o seu trinar é harmónico
e apenas observa
a dança do espaço mudo
como num filme de Chaplin.

II

Uma mulher 
toma chá de cerejas
e olha para uma gata
ergueita na brancura.

Na mesa,
um livro de poemas em russo.
Ela intui
que a gata surda
e a sua língua muda
são complementares:
como há de ser ler e perceber
grafias e gramáticas de um idioma
e imaginar o som das palavras
sem as saber pronunciar?

III

Do mesmo filme de Chaplin
em revoluções e ritmos:

A gata é siberiana e surda.
A mulher é russa e muda.
A preto e branco
entrou na cena
o silêncio.

© Texto: Valeria Guzmán
© Tradução: Xavier Frias-Conde

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